segunda-feira, 11 de março de 2013

Noite de luar e de estrelas



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Noite de luar e de estrelas
                                           Odete Meith Fernandes

Noite de luar e de estrelas fazem lembrar meu pai. Era nessas noites que mais conversávamos, e, olhando para o céu, contemplávamos seu espetáculo. Olhávamos também para dentro de nós, para o mundo misterioso que ia sendo tecido dentro de nossa mente e coração... Quantas vezes essas conversas e o livro O Meu Pé de Laranja-lima, de José Mauro de Vasconcelos me ajudaram a compreender alguns dos mistérios da vida e, como o Zezé da história, aprendi a dar valor a pequenas coisas e a superar dificuldades com o auxílio de fatos simples e inusitados.
Noites sem luar e sem estrelas também fazem lembrar meu pai, pois nesses momentos, ele geralmente contava histórias do passado que lá se vai. Lembranças de um desbravador de matas que administrava o medo das onças e serpentes, e fazia seu próprio pão em fogão improvisado, no meio do sertão.  Minha imaginação misturava essas histórias com outras como A ilha perdida, de Maria José Dupré, então lá estava eu, perdida na mata, como os meninos da aventura lida.
Mas as histórias de meu pai falavam de um agricultor, que por só falar alemão, muito sofreu para se enturmar e se comunicar. Ah, mas ele aproveitou muito bem a única série que cursou, conta ele: “qualquer pedaço de jornal ou revista que encontrava, levava para casa e as letras decifrava”. Mais tarde foi comprando livros de faroeste (aqueles de bolso), que eu também “devorei todinhos”. Depois, sua professora de leitura oficial foi a Bíblia e a Vida, pois como diz Paulo Freire: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”... Minha infância , como a de tantos, foi muito feliz, mas não imune a pequenos ou grandes dramas...Mais uma vez os livros vêm em meu auxílio, com o título Menino de asas, de Homero Homem, ajudando-me a superar diferenças e traumas, tudo com a simples reflexão a respeito de tão diferente personagem. No mundo da imaginação tudo é possível, e essa esperança pode alcançar a realidade e transformá-la. Foi assim comigo, também pode ser com você...
Meu pai trabalhava muito, mas à noite sempre havia tempo para conversas à luz do luar ou sob aquela escuridão total do céu que permitia apenas que estrelas dentro de nós brilhassem. Havia tempo também para vê-lo viajar para outros lugares através da leitura. Foi dele que herdei o fascínio pelos livros, coisas da genética? Não! Coisas do exemplo, natural, sem obrigação... Assim, sem nenhuma obrigação me aventurei pelas páginas, em busca de Iracema, Ubirajara e O Guarani de José de Alencar. Aventuras muitas vezes difíceis de transpor pela dificuldade de compreensão da forma de expressão do autor. Em alguns momentos sentia-me num emaranhado de palavras sem sentido, mas que mesmo assim me mantiveram perto dos personagens que atravessavam florestas muito mais densas que a minha.
A escola que deveria incentivar ainda mais minha aventura no mundo dos livros começou podando minha curiosidade.  Lembro que nas primeiras séries, íamos em fila para uma biblioteca pequena, mas cheia de livros. Porém só podíamos escolher entre umas dezenas de obras espalhadas na mesa. Era pegar e levar. Não podíamos folheá-los nem cheirá-los... E o mais cruel: eu “devorava” o livro em um dia, mas só poderia pegar outro na semana seguinte. Minha sorte foi que meu pai, que tanto quis estudar e não pôde (naquela época não era obrigatório e até perda de tempo... para os pobres), decidiu que o maior tesouro que poderia nos dar era o estudo. Os vendedores de livro viviam à nossa porta... Um quarto da casa foi ficando cheio deles: livros de pesquisa, de curiosidades, de aventuras, gibis, literatura brasileira e americana, romances... Um paraíso! Passei a galopar com Ivanhoé  de  walter scott, visitei Tróia durante a guerra, enfrentei mares e perigos inimagináveis  com Simbad, o Marujo( uma das histórias contadas por Scheherazade ao cruel Sultão)...Chorei com Sinhá Vitória a triste realidade nordestina...Vidas Secas de Graciliano Ramos...Uma aula de realidade sobre o nordeste brasileiro, que só vislumbrei até hoje através dos livros.
 Durante o dia, a leitura se limitava aos momentos em que chovia muito e não podíamos ir à roça. Até o gosto da pipoca e chimarrão que degustava com mamãe, era mais intenso, pois ficava imaginando como seria a continuação daquelas aventuras. Hoje, grande parte das crianças e adolescentes passam horas do dia e da noite viajando ou “vagando” pela Internet. Nada contra, também faço isso de vez em quando, mas as histórias que mais perduram em minha memória são aquelas em que meu pai me encontrava, sentada em uma cadeira de madeira e palha, às duas horas da manhã. Como a ordem era “cama” eu obedecia, mas a imaginação ficava acordada por mais um tempo e, aos poucos, embalada pela noite de luar e estrelas, adormecia para deixar-me dominar então, pelo mundo dos sonhos...



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