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Noite de luar e de estrelas
Odete Meith Fernandes
Noite de luar e de estrelas fazem lembrar meu pai. Era nessas noites
que mais conversávamos, e, olhando para o céu, contemplávamos seu espetáculo. Olhávamos
também para dentro de nós, para o mundo misterioso que ia sendo tecido dentro
de nossa mente e coração... Quantas vezes
essas conversas e o livro O Meu Pé de Laranja-lima, de José Mauro de Vasconcelos
me ajudaram a compreender alguns dos mistérios da vida e, como o Zezé da
história, aprendi a dar valor a pequenas coisas e a superar dificuldades com o
auxílio de fatos simples e inusitados.
Noites sem luar e sem estrelas também fazem lembrar meu pai, pois nesses
momentos, ele geralmente contava histórias do passado que lá se vai. Lembranças
de um desbravador de matas que administrava o medo das onças e serpentes, e
fazia seu próprio pão em fogão improvisado, no meio do sertão. Minha imaginação misturava essas histórias com
outras como A ilha perdida, de Maria José Dupré, então lá estava eu, perdida
na mata, como os meninos da aventura lida.
Mas as histórias de meu pai falavam de um agricultor, que por só
falar alemão, muito sofreu para se enturmar e se comunicar. Ah, mas ele
aproveitou muito bem a única série que cursou, conta ele: “qualquer pedaço de
jornal ou revista que encontrava, levava para casa e as letras decifrava”. Mais
tarde foi comprando livros de faroeste (aqueles de bolso), que eu também “devorei
todinhos”. Depois, sua professora de leitura oficial foi a Bíblia e a Vida, pois
como diz Paulo Freire: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”... Minha
infância , como a de tantos, foi muito feliz, mas não imune a pequenos ou
grandes dramas...Mais uma vez os livros vêm em meu auxílio, com o título Menino
de asas, de Homero Homem, ajudando-me a superar diferenças
e traumas, tudo com a simples reflexão a respeito de tão diferente personagem.
No mundo da imaginação tudo é possível, e essa esperança pode alcançar a
realidade e transformá-la. Foi assim comigo, também pode ser com você...
Meu pai trabalhava muito, mas à noite sempre havia tempo para
conversas à luz do luar ou sob aquela escuridão total do céu que permitia
apenas que estrelas dentro de nós brilhassem. Havia tempo também para vê-lo
viajar para outros lugares através da leitura. Foi dele que herdei o fascínio
pelos livros, coisas da genética? Não! Coisas do exemplo, natural, sem
obrigação... Assim, sem nenhuma obrigação me aventurei pelas páginas, em busca
de Iracema, Ubirajara e O Guarani de José de Alencar. Aventuras muitas vezes
difíceis de transpor pela dificuldade de compreensão da forma de expressão do
autor. Em alguns momentos sentia-me num emaranhado de palavras sem sentido, mas
que mesmo assim me mantiveram perto dos personagens que atravessavam florestas
muito mais densas que a minha.
A escola que deveria incentivar ainda mais minha aventura no mundo
dos livros começou podando minha curiosidade. Lembro que nas primeiras séries, íamos em fila
para uma biblioteca pequena, mas cheia de livros. Porém só podíamos escolher
entre umas dezenas de obras espalhadas na mesa. Era pegar e levar. Não podíamos
folheá-los nem cheirá-los... E o mais cruel: eu “devorava” o livro em um dia,
mas só poderia pegar outro na semana seguinte. Minha sorte foi que meu pai, que
tanto quis estudar e não pôde (naquela época não era obrigatório e até perda de
tempo... para os pobres), decidiu que o maior tesouro que poderia nos dar era o
estudo. Os vendedores de livro viviam à nossa porta... Um quarto da casa foi
ficando cheio deles: livros de pesquisa, de curiosidades, de aventuras, gibis,
literatura brasileira e americana, romances... Um paraíso! Passei a galopar com
Ivanhoé de walter scott, visitei Tróia durante a guerra,
enfrentei mares e perigos inimagináveis
com Simbad, o Marujo( uma das histórias contadas por
Scheherazade ao cruel Sultão)...Chorei com Sinhá Vitória a triste realidade
nordestina...Vidas Secas de Graciliano Ramos...Uma aula de realidade sobre o
nordeste brasileiro, que só vislumbrei até hoje através dos livros.
Durante o dia, a leitura se
limitava aos momentos em que chovia muito e não podíamos ir à roça. Até o gosto da
pipoca e chimarrão que degustava com mamãe, era mais intenso, pois ficava
imaginando como seria a continuação daquelas aventuras. Hoje, grande parte das
crianças e adolescentes passam horas do dia e da noite viajando ou “vagando”
pela Internet. Nada contra, também faço isso de vez em quando, mas as histórias
que mais perduram em minha memória são aquelas em que meu pai me encontrava,
sentada em uma cadeira de madeira e palha, às duas horas da manhã. Como a ordem
era “cama” eu obedecia, mas a imaginação ficava acordada por mais um tempo e,
aos poucos, embalada pela noite de luar e estrelas, adormecia para deixar-me
dominar então, pelo mundo dos sonhos...
muito bom esse texto
ResponderExcluirMuito legal!
ExcluirObrigada, Lucas!!!
ExcluirLegal !
ResponderExcluirjoia:)
ResponderExcluirlegal
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